Morre em Manaus o poeta Thiago de Mello

Morre em Manaus o poeta Thiago de Mello
Foto: Carlos Veras

Autor de Os Estatutos do Homem morreu aos 95 anos de causas naturais

 

“Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar”. O verso é de Amadeu Thiago de Mello, ou simplesmente Thiago de Mello, poeta e tradutor amazonense que faleceu nesta sexta-feira (14) de causas naturais aos 95 anos. O corpo do poeta será velado no Centro Cultural Palácio Rio Negro, no centro de Manaus.

Considerado um dos poetas mais influentes e respeitados do país, reconhecido como ícone da literatura da Região Norte do Brasil, Thiago de Mello tem obras traduzidas para mais de 30 idiomas. Foi adido cultural do Brasil na Bolívia e no Chile. Preso durante o regime militar, exilou-se no Chile, onde encontrou no escritor Pablo Neruda um amigo e colaborador. Morou também na Argentina, em Portugal, na França e na Alemanha, antes de retornar ao país onde nasceu, com o fim da ditadura.

Outra grande contribuição de Thiago de Mello para a literatura brasileira é a obra intitulada Os Estatutos do Homem (abaixo), que dedicou ao amigo Carlos Heitor Cony. Nos últimos versos do poema, Thiago cita: “A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente. Como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem”. (Agência Brasil)

 

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usara couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que a mãe que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello

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