Cerca de 10 mil transplantes deixam de ser realizados no país
A queda, segundo levantamento do Ministério da Saúde, é devido à pandemia da covid-19
Entre março e dezembro de 2020 foram realizados, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), 13.042 transplantes em todo o Brasil, contra 23.360 procedimentos efetuados em 2019. Os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde indicam queda de 10.318 transplantes no período, em função da pandemia do novo coronavírus. O ministério informou ainda que de 2019 a julho de 2021 foram realizados 55.760 transplantes no Brasil. A lista de espera na fila do transplante de múltiplos órgãos alcança 46.738 pessoas, sendo 26.670 para transplante de rim.
O Setembro Verde chama a atenção para a redução dos transplantes e do número de doadores, em função da covid-19. Somente na primeira onda da doença, o número de transplantes realizados em todo o mundo caiu 31%, de acordo com pesquisa publicada no jornal científico The Lancet Public Health. O estudo considera dados de 22 países, espalhados por quatro continentes, e indica que 11.253 cirurgias desse tipo deixaram de ser efetuadas no ano passado, o que significa uma redução de 16% ao longo de 12 meses. O transplante mais afetado foi o de rim com doadores vivos, que teve queda de 40% em 2020, comparativamente a 2019.
Cenário
O Brasil acompanhou esse cenário. Com o agravamento da pandemia, no primeiro semestre de 2021 em relação aos primeiros seis meses de 2020, a taxa de doadores efetivos caiu 13%, enquanto os transplantes sofreram retração de 24,9%. Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o principal motivo desse declínio foi o aumento de 44% na taxa de contraindicação, em parte pelo risco de transmissão da covid-19.
Embora sejam referências nacionais em transplantes, o estado do Paraná e o Hospital Universitário Cajuru (HUC), que atende 100% por meio do SUS e é referência no transplante renal, foram também afetados por essas reduções. Segundo o Sistema Estadual de Transplantes, a covid-19 fez as doações caírem 23,13% no Paraná.
O médico nefrologista Alexandre Tortoza Bignelli, coordenador do Serviço de Transplante Renal do HUC, disse hoje (15) à Agência Brasil que o Paraná tem o melhor índice de doadores de múltiplos órgãos do país, da ordem de 46 por milhão de habitantes, contra o índice nacional em torno de 8 doadores por milhão. Apesar disso, houve redução de captações no estado devido à recusa de familiares, à diminuição das equipes médicas e do número de leitos de UTI que foram transferidos para pacientes acometidos pela covid-19. “Afetou o estado todo, a despeito de a gente ter uma captação de excelência”.
Bignelli informou que as regiões brasileiras com maiores índices de doadores são o Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte. “Há uma disparidade entre os estados muito grande em relação à captação de múltiplos órgãos”. Atualmente, o número de doadores no Paraná caiu para cerca de 40 por milhão. “Chegamos a fazer 80 a 90 transplantes antes (da pandemia)”, comentou o médico do HUC. Destacou que o hospital é considerado referência no transplante renal por deter a melhor sobrevida não só do paciente, mas do enxerto, no estado.
“Isso torna possível que, em 95% dos casos, não haja rejeição do órgão no prazo de um ano, índice semelhante aos hospitais de São Paulo e dos Estados Unidos”, lembrou o diretor-geral do HUC, Juliano Gasparetto. Foram realizados no ano passado no HUC 60 procedimentos e, em 2021, até agora, 30. “Poderíamos fazer mais, se a captação fosse melhor e também se chegassem mais pacientes para a lista de espera”, afirmou o nefrologista Alexandre Bignelli.
Em espera
Alexandre Bignelli informou que apenas um terço dos pacientes renais está na fila de espera por um transplante. Disse que o Brasil, hoje, tem perto de 140 mil pacientes em diálise, dos quais apenas 26 mil estão inscritos na lista. A maior lista de espera é encontrada no estado de São Paulo (17 mil pacientes), que também detém um número positivo de captação, entre 15 e 20 doadores por milhão de habitantes. O coordenador do Serviço de Transplante Renal do HUC avaliou ser possível dobrar isso, “se houver políticas e conscientização da população”.
Com uma equipe multiprofissional, o HUC mantém o maior índice de conversão estadual de entrevistas com as famílias em doações efetivadas. Em 2020, a taxa de conversão foi de 84%. Este ano, está em 81%, percentual considerado muito elevado, apesar da covid-19. Enquanto que a recusa pela doação está em 39% no país e 25% no estado, o Hospital Universitário Cajuru tem média de recusa de apenas 19%.
Doença renal e covid-19
Edinei Tomaz de Miranda, 33 anos, fez o transplante de rim em 14 de junho de 2020. Morador de Ponta Grossa (PR), fez hemodiálise e ficou sete meses aguardando para realizar o transplante no HUC. Ficou bastante apreensivo de se operar em meio à pandemia. “Mas também na esperança e na fé que desse tudo certo”. Edinei teve um princípio de rejeição e precisou tomar medicamento para baixar a imunidade para que o organismo não rejeitasse a rim doado. Acabou, entretanto, pegando o vírus da covid-19. “Meu pulmão estava 70% comprometido”. Na UTI, ele teve o acompanhamento da equipe do hospital, ficou no oxigênio, mas não precisou ser entubado. Edinei já teve alta.
Já Mariana Purcote Fontoura, também de 33 anos, precisou substituir temporariamente a função renal pela diálise peritoneal. Ela mora em Curitiba e aguarda um transplante renal pelo Hospital Universitário Cajuru. Mariana descobriu por acaso o problema no rim, depois de sofrer várias infecções urinárias. Encaminhada para o serviço de nefrologia do HUC, teve a consulta cancelada, devido ao início da pandemia. Em outubro do ano passado, constatou que a doença renal estava em estágio avançado, de grau 5. “Eu sei que a situação de quem aguarda um transplante não é uma situação simples. É mais delicada. No momento, foi assustador. Depois, eu fui lidando melhor, fui entendendo que é um tratamento super possível, que está muito avançado e que as equipes do Cajuru são uma das melhores do Brasil”, declarou.
Alexandre Tortoza Bignelli salientou, por outro lado, que o potencial doador, quando é declarado em morte cerebral, ocupa em geral uma UTI. Por conta da pandemia, a covid-19 chegou a reduzir, em um primeiro momento, entre 40% e 50% a captação de órgãos. Os mais afetados foram pulmão, pâncreas, rim, coração e fígado. Com as UTIS ocupadas por pacientes com covid-19, há uma restrição de leitos para potenciais doadores.
Além disso, os próprios pacientes acometidos da covid-19 são impossibilitados de se tornarem doadores. “Isso também impactou na redução do número de transplantes”, assegurou o especialista. (Agência Brasil)